Pesquisa/Texto: Redacção F&H
A 10 de Junho de 1880, o jornal portuense O Bombeiro Portuguez oferecia aos seus leitores um número especial dedicado a Luiz de Camões, no âmbito das comemorações do tricentenário da morte do grande poeta.
Para o efeito, reuniu alguns dos mais notáveis nomes da literatura portuguesa, entre os quais Teófilo Braga, Teixeira Bastos, Ramalho Ortigão, João de Deus, Fialho de Almeida e Gomes Leal, que colaboraram com textos sobre a obra lírica camoniana e o seu autor.
Da edição daquele periódico, permitimo-nos destacar, de modo especial, transcrevendo na íntegra, o artigo assinado pelo cultíssimo Mestre Guilherme Gomes Fernandes, ao tempo Comandante dos Bombeiros Voluntários do Porto, considerado como sendo o expoente máximo do bombeiro português, cuja acção no fomento e desenvolvimento do serviço de incêndios viu-se repercutida, também, ao nível do jornalismo, afirmando-se pela fluência e assertividade da sua palavra escrita.
O BOMBEIRO PORTUGUEZ A CAMÕES
O Bombeiro Portuguez, afastando-se hoje do fim para que foi instituido, e sahindo da humilde esphera limitada pela missão que se impoz, vem tambem prestar homenagem ao grande épico portuguez - a Luiz de Camões. Deixa de se occupar dos assumptos que directamente lhe dizem respeito; depõe a penna do bombeiro e abalançando-se, quiçá, além das suas forças, commemora com a publicação extraordinaria d'este numero o nome d'esse vulto distincto e caracteristico nas letras e nas armas patrias.
Agora que o espirito publico, liberto dos grilhões com que o dominio clerical o havia escravizado, revela revivescencia do abatimento moral que o atrophiou por forma a deixar passar ignorados o primeiro e segundo centenarios do heroico guerreiro e immortal poeta; o Bombeiro Portuguez vem tambem jubiloso associar-se á imprensa do paiz para legar aos vindouros o tributo de homenagem que hoje presta á memoria do grande cantor da nossa epopeia nacional.
O bombeiro não é um intruso n'estas festas nacionaes, commemorativas d'esse vulto cosmopolita aureolado de glorias e justíssimas homenagens: filiado na vasta republica das letras, assiste-lhe egualmente o direito de se associar á revolução pacifica e sympatica que nasceu espontanea nos espíritos cultos e alevantados, e que traduz tão exhuberantemente a independencia intellectual de um povo que outr'ora se viu coacto, enervado e entorpecido pela superstição e pela tyrannia.
O bombeiro, alistado n'essa nobre cruzada que tem por pendão a abnegação e o heroísmo, profanaria a memoria d’aquelle que lhe foi mestre d'acções nobres n'essas pugnas titanicas que constituem hoje as gloriosas tradicções do povo lusitano, se ficasse indifferente perante o regosijo nacional, que, como uma corrente electrica, brota do coração de todos os portuguezes e synthetisa exhuberantemente a veneração d'um povo por aquelle que tão brilhantemente soube immortalisar a patria.
N'estas apoucadas phrases, despretenciosas e singelas, mas dictadas pela veneração e orgulho que nos inspira a memoria do sublime cantor de Portugal, julga o Bombeiro Portuguez ter tambem contribuido com o seu pequeno quinhão para a apotheose d’esse grande Genio que perpetuou a existencia da nossa nacionalidade.
Guilherme G. Fernandes.