Pesquisa/Texto: Redacção F&H
É subjectivo afirmar que a revolução do 25 de Abril não teve derramamento de sangue. Durante o cerco à PIDE/DGS, em Lisboa, na Rua António Maria Cardoso, foram totalizados cinco mortos e dezenas de feridos.
Apolíticos assumidos, mas atentos ao desenrolar dos acontecimentos por imperativo de consciência da sua missão humanitária, coube aos bombeiros, designadamente, aos voluntários, prestar socorro às vítimas.
A operação militar de ocupação da sede da PIDE/DGS constituiu um dos momentos de maior tensão, sendo desencadeada nos dias 25 e 26 debaixo de perigo iminente e da revolta de numerosos manifestantes.
O Diário de Notícias, de 26, informa que "planeando-se um ataque ao edifício, foram solicitados os bombeiros, que montaram, com aparato, todo um dispositivo de emergência".
Efectivamente, a queda do último reduto do regime do Estado Novo ficou marcada pela resistência e pelo drama estabelecido quando elementos daquela corporação policial dispararam rajadas de pistola-metralhadora contra a população, atingindo fatalmente quatro jovens estudantes.
"Por razões de prevenção, várias ambulâncias, material de socorro e equipas de médicos e enfermeiros, deslocaram-se imediatamente para as cercanias da Polícia política, a fim de assistir a eventuais feridos", descreve a revista Flama, publicada a 3 de Maio.
A quinta vítima mortal tratou-se de um agente da PIDE/DGS e foi abatido pelos militares quando, apavorado, procurava fugir. Sobre este momento, o Diário de Lisboa relata nas duas edições saídas a 26 de Abril: "Quando os bombeiros se aproximaram para retirar o corpo, a multidão formou uma barreira à sua passagem, gritando 'Os PIDES morrem na rua'."
Toda a imprensa, mobilizada para o epicentro dos acontecimentos, seguiu a acção dos bombeiros, observando o Diário de Notícias que os seus serviços, a par das equipas da Cruz Vermelha Portuguesa, "acorreram prontamente, mas viram dificultadas as operações de socorro".
Os Bombeiros Voluntários de Lisboa, organizados em Posto de Socorros, acolheram vários feridos resultantes dos incidentes verificados na Rua António Maria Cardoso e noutros pontos da cidade.
Por sua vez, numa apreciação mais intimista e desenvolvida, o Diário Popular, de 26 de Abril, sob o título "Bombeiros: Autênticos Soldados da Paz!", traça este rasgado elogio: "Foi notável a colaboração hoje prestada ao Movimento das Forças Armadas por diversas corporações de bombeiros voluntários, nomeadamente na zona do Camões, Chiado e vias de acesso." Por muito estranho que pareça, "os bombeiros de, praticamente, todas as corporações lisboetas tomaram a seu cargo a direcção do trânsito, com uma eficiência extraordinária, mesmo tendo em conta o civismo demonstrado pelos automobilistas, encarando com maior naturalidade e sentido de colaboração quaisquer alterações de trajecto provocadas pela acção militar justo da sede da DGS."
Equívoco, distúrbios e algum fogo
Mais acima, no Largo Trindade Coelho, vulgo Largo da Misericórdia, um veículo foi incendiado ficando completamente calcinado. Nele seguiam três agentes da ex-polícia política, cuja detenção foi consumada por populares e soldados do Exército. O combate às chamas esteve a cargo dos bombeiros voluntários, de resto, captado pelas câmaras da RTP e acompanhado ordeiramente por muito povo posicionado ao longo dos passeios.
Não há memória deste facto ser evocado na história dos bombeiros portugueses, mas a verdade é que houve elementos a prestar serviço em cenários do golpe militar e, por consequência, expondo-se a um risco invulgar.
Ana Hatherly (1929-2015), escritora e artista visual, saiu à rua e fotografou, entre o alvoroço vivido na cidade sitiada, a pacífica presença dos bombeiros. Também os operadores de imagem da então denominada Radiotelevisão Portuguesa (RTP) registaram o seu desempenho, nas horas que sucederam à ocupação dos pontos estratégicos por parte do Movimento das Forças Armadas (MFA).
À medida que a notícia da revolução foi sendo conhecida, vários bombeiros de Lisboa tomaram a iniciativa de acorrer aos respectivos quartéis, colocando-se de prevenção. Assim, aconteceu, sobremaneira, nos Voluntários de Lisboa, da Ajuda e de Campo de Ourique, intervindo os seus comandos e quadros activos em conjugação de esforços e absoluta liberdade funcional. Refira-se que há 50 anos não existiam centros de coordenação operacional e directivas operacionais. Por outro lado, as próprias entidades passíveis de interferência, a Inspecção de Incêndios da Zona Sul, pertencente ao Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios, e a Defesa Civil do Território, subordinada à Legião Portuguesa, ficaram reféns da situação instalada no país.
Ana Hatherly (1929-2015), escritora e artista visual, saiu à rua e fotografou, entre o alvoroço vivido na cidade sitiada, a pacífica presença dos bombeiros. Também os operadores de imagem da então denominada Radiotelevisão Portuguesa (RTP) registaram o seu desempenho, nas horas que sucederam à ocupação dos pontos estratégicos por parte do Movimento das Forças Armadas (MFA).
À medida que a notícia da revolução foi sendo conhecida, vários bombeiros de Lisboa tomaram a iniciativa de acorrer aos respectivos quartéis, colocando-se de prevenção. Assim, aconteceu, sobremaneira, nos Voluntários de Lisboa, da Ajuda e de Campo de Ourique, intervindo os seus comandos e quadros activos em conjugação de esforços e absoluta liberdade funcional. Refira-se que há 50 anos não existiam centros de coordenação operacional e directivas operacionais. Por outro lado, as próprias entidades passíveis de interferência, a Inspecção de Incêndios da Zona Sul, pertencente ao Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios, e a Defesa Civil do Território, subordinada à Legião Portuguesa, ficaram reféns da situação instalada no país.
A operação militar de ocupação da sede da PIDE/DGS constituiu um dos momentos de maior tensão, sendo desencadeada nos dias 25 e 26 debaixo de perigo iminente e da revolta de numerosos manifestantes.
O Diário de Notícias, de 26, informa que "planeando-se um ataque ao edifício, foram solicitados os bombeiros, que montaram, com aparato, todo um dispositivo de emergência".
Efectivamente, a queda do último reduto do regime do Estado Novo ficou marcada pela resistência e pelo drama estabelecido quando elementos daquela corporação policial dispararam rajadas de pistola-metralhadora contra a população, atingindo fatalmente quatro jovens estudantes.
"Por razões de prevenção, várias ambulâncias, material de socorro e equipas de médicos e enfermeiros, deslocaram-se imediatamente para as cercanias da Polícia política, a fim de assistir a eventuais feridos", descreve a revista Flama, publicada a 3 de Maio.
A quinta vítima mortal tratou-se de um agente da PIDE/DGS e foi abatido pelos militares quando, apavorado, procurava fugir. Sobre este momento, o Diário de Lisboa relata nas duas edições saídas a 26 de Abril: "Quando os bombeiros se aproximaram para retirar o corpo, a multidão formou uma barreira à sua passagem, gritando 'Os PIDES morrem na rua'."
Desde o socorro até ao trânsito, tudo valeu
A rendição da mais temida instituição do regime deposto deu-se cerca das 9:30 horas do dia 26, depois de uma madrugada agitada, conforme novamente testemunhado pelo Diário de Lisboa: "Nas imediações da Rua António Maria Cardoso, encontravam-se também estacionadas numerosas ambulâncias e algumas viaturas dos bombeiros. No Largo de Camões, centenas de pessoas, na sua grande maioria jovens, acompanhavam o desenrolar das operações, incitando os militares a aniquilar a resistência da DGS."
Toda a imprensa, mobilizada para o epicentro dos acontecimentos, seguiu a acção dos bombeiros, observando o Diário de Notícias que os seus serviços, a par das equipas da Cruz Vermelha Portuguesa, "acorreram prontamente, mas viram dificultadas as operações de socorro".
Os Bombeiros Voluntários de Lisboa, organizados em Posto de Socorros, acolheram vários feridos resultantes dos incidentes verificados na Rua António Maria Cardoso e noutros pontos da cidade.
Todos os indivíduos em estado grave deram entrada no Hospital de S. José, sendo "transportados por ambulâncias de diversas corporações de bombeiros, sempre incansáveis na sua missão", releva ainda o Diário de Notícias.
Por sua vez, numa apreciação mais intimista e desenvolvida, o Diário Popular, de 26 de Abril, sob o título "Bombeiros: Autênticos Soldados da Paz!", traça este rasgado elogio: "Foi notável a colaboração hoje prestada ao Movimento das Forças Armadas por diversas corporações de bombeiros voluntários, nomeadamente na zona do Camões, Chiado e vias de acesso." Por muito estranho que pareça, "os bombeiros de, praticamente, todas as corporações lisboetas tomaram a seu cargo a direcção do trânsito, com uma eficiência extraordinária, mesmo tendo em conta o civismo demonstrado pelos automobilistas, encarando com maior naturalidade e sentido de colaboração quaisquer alterações de trajecto provocadas pela acção militar justo da sede da DGS."
"Foi notável a colaboração hoje prestada ao Movimento das Forças Armadas por diversas corporações de bombeiros voluntários (...)."
Diário Popular, 26.04.1974
Equívoco, distúrbios e algum fogo
Um caso insólito foi vivido por elementos dos Voluntários de Lisboa, durante a revolução. A pensar na segurança do pessoal, o seu comando decidira estrear, na ocasião, capacetes tipo americano, com viseira, obtidos recentemente. O inesperado aconteceu numa das saídas operacionais. Pois bem, já não bastando a dificuldade em circular pela cidade, devido ao condicionamento de trânsito nos principais acessos, os bombeiros foram confundidos com polícias de choque, o que lhes valeu uma recepção pouco amigável de populares menos atentos e influenciados pelo calor conjuntural.
Ainda em consequência de ânimos muito exaltados, contrários aos propósitos do MFA e da recém-criada Junta de Salvação Nacional, o que motivou a difusão de apropriados comunicados na rádio, ocorreram outros factos merecedores de figurarem na história dos bombeiros, pela justificada actuação destes.
Na tarde do dia 26, deu-se um princípio de incêndio nas instalações do jornal Época, localizadas na Rua da Misericórdia, actual sede da Associação 25 de Abril. Perante a suspeita de que agentes da PIDE/DGS se haviam refugiado naquele periódico (órgão oficioso da Acção Nacional Popular, sucessora da União Nacional, surgido da fusão entre os jornais A Voz e o Diário da Manhã), manifestantes que circulavam pelas ruas da Baixa invadiram o respectivo edifício e provocaram distúrbios. A mesma onda estendeu-se ao exterior, onde a semi-destruição de cinco veículos do referido jornal exigiu a intervenção, segundo o Diário Popular, dos sapadores bombeiros, na lavagem do pavimento, afectado pelo derrame de combustível.
Ainda em consequência de ânimos muito exaltados, contrários aos propósitos do MFA e da recém-criada Junta de Salvação Nacional, o que motivou a difusão de apropriados comunicados na rádio, ocorreram outros factos merecedores de figurarem na história dos bombeiros, pela justificada actuação destes.
Na tarde do dia 26, deu-se um princípio de incêndio nas instalações do jornal Época, localizadas na Rua da Misericórdia, actual sede da Associação 25 de Abril. Perante a suspeita de que agentes da PIDE/DGS se haviam refugiado naquele periódico (órgão oficioso da Acção Nacional Popular, sucessora da União Nacional, surgido da fusão entre os jornais A Voz e o Diário da Manhã), manifestantes que circulavam pelas ruas da Baixa invadiram o respectivo edifício e provocaram distúrbios. A mesma onda estendeu-se ao exterior, onde a semi-destruição de cinco veículos do referido jornal exigiu a intervenção, segundo o Diário Popular, dos sapadores bombeiros, na lavagem do pavimento, afectado pelo derrame de combustível.
Mais acima, no Largo Trindade Coelho, vulgo Largo da Misericórdia, um veículo foi incendiado ficando completamente calcinado. Nele seguiam três agentes da ex-polícia política, cuja detenção foi consumada por populares e soldados do Exército. O combate às chamas esteve a cargo dos bombeiros voluntários, de resto, captado pelas câmaras da RTP e acompanhado ordeiramente por muito povo posicionado ao longo dos passeios.
Na altura os Voluntários de Lisboa trabalhavam com um Auto Pronto-Socorro de Nevoeiro emprestado pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa, por o seu Chevrolet C60, alcunhado de "Pato Marreco", se encontrar em reparação.
Assim aconteceu em dias de viragem para o país.
Assim aconteceu em dias de serviço especial para os bombeiros, portugueses de alma e coração.
Agradecemos a colaboração do Comandante Paulo Vitorino, dos Bombeiros Voluntários de Lisboa.
Assim aconteceu em dias de viragem para o país.
Assim aconteceu em dias de serviço especial para os bombeiros, portugueses de alma e coração.
Agradecemos a colaboração do Comandante Paulo Vitorino, dos Bombeiros Voluntários de Lisboa.