Pesquisa/Texto: Luís Miguel Baptista
Fotos: Arquivo Nacional da Torre do Tombo
As Festas de Lisboa, organizadas pela Câmara Municipal, são desde sempre sinónimo de memória e tradição.
Iniciadas em 1934, com carácter propagandista das virtudes da alma portuguesa, teve lugar naquele ano, a par de mais eventos do género, um imponente cortejo histórico de viaturas de bombeiros.
O grande Almada Negreiros (1893-1970), convidado a ilustrar o programa das festas, deu assim vida aos "soldados da paz", na base do seu desenho modernista.
História relatada pela imprensa
As Festas de Lisboa, organizadas pela Câmara Municipal, são desde sempre sinónimo de memória e tradição.
Iniciadas em 1934, com carácter propagandista das virtudes da alma portuguesa, teve lugar naquele ano, a par de mais eventos do género, um imponente cortejo histórico de viaturas de bombeiros.
O grande Almada Negreiros (1893-1970), convidado a ilustrar o programa das festas, deu assim vida aos "soldados da paz", na base do seu desenho modernista.
Irremediavelmente ligada ao movimento urbano desde tempos imemoriais, a luta contra o fogo mereceu a atenção dos investigadores olisiponenses Matos Sequeira e Frazão de Vasconcelos, que se dedicaram à reconstituição histórica do serviço de incêndios.
No dia 11 de Junho, a população de Lisboa e arredores aglomerou-se ao longo das principais artérias da capital, entre o Campo Pequeno e Alcântara, para acompanhar a passagem do cortejo, que teve início pelas 18.30 horas.
Fizeram enorme sensação os quadros de história viva que foram desfilando perante os olhos de gente maravilhada.
Os registos fotográficos existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo atestam que se tratou de um espectáculo de inspiração artística, sumptuoso e cuidadosamente preparado.
Naquele dia, não foi a vez da velha Lisboa desfilar com saia cor do mar e muito menos com arquinho e balão, mas evocar gente boa de amor no coração, solidária, portanto.
Inúmeros figurantes caracterizados e trajados de acordo com as épocas retratadas conferiram apreciável realismo, contrastando este com o inédito da temática e a beleza rara de toda a ambiência gerada.
Os primeiros momentos tiveram inspiração na carta régia de D. João I, consubstanciada na aprovação das medidas propostas pelo Senado de Lisboa para o combate
aos incêndios que deflagravam na cidade, fazendo-se anunciar por uma representação de charameleiros. Depois, foi uma sucessão não menos contextualizada de figuras típicas e de engenhos seculares melhorados pelo homem e pela ciência.
Compreendendo um longo período temporal, de 1395 a 1934, o cortejo apresentou material de tracção braçal, animal e a motor, num total de 44 exemplares, pertencente ao então Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa (BSB).
História relatada pela imprensa
Toda a criação cénica foi acompanhada pela imprensa e mereceu fastidioso relato.
Bombeiros em grande destaque
Como nota à margem, refira-se que recebeu também os melhores encómios a participação de 40 ginastas dos Sapadores Bombeiros, na reconstituição da embaixada do século XVIII, cortejo ocorrido no dia 13. Coube-lhes escoltar o "Carro de Estado", mostrando-se "impecaveis de ritmo e de garbo". Não se enganara o cineasta Leitão de Barros, responsável pela concepção do espectáculo, quando, na véspera, abordado pelo Diário de Lisboa, antevera, dizendo: "(...) o grupo cuja figuração foi confiada aos rapazes dos Sapadores Bombeiros deve causar certa sensação. Os fatos são riquisimos mas - o que é o principal - a apresentação desses quarenta ginnastas é notável."
"(...) formados em escolta poderosa, numa coluna invencivel, os carpinteiros da Ribeira das Naus, com seus utensilios de trabalho, talvez os primeiros bombeiros que a cidade teve," descreve o Diário de Lisboa, na edição publicada no próprio dia do cortejo.
Na época, o jornalismo valia-se fundamentalmente da palavra e de um estilo literário. Por conseguinte, detinha-se em muitos aspectos de pormenor, o que à luz do conceito de comunicação dos nossos dias seria dispensável. Porém, e uma vez existindo, revestem-se da maior importância e utilidade no plano da investigação. A este respeito, não resistimos a transcrever outro excerto da reportagem do mencionado periódico, para melhor identificação com o evento aqui recordado: "Um lapso no tempo e no espaço, e surge, microscopica, primitiva, quasi ridicula, mas muito engenhosa para a epoca, a primeira bomba que Lisboa possuiu - verdadeira gota de agua, no oceano de fogo, que, por vezes, a assolava. Autentico brinquedo, puxado, sem esforço, por uma dezena de moços, dos duzentos, todos vestidos de ganga, com suiças, bonet ligeiro, de pala, que arrastavam as prodigiosas viaturas de fogo de outro tempo. A infancia da arte mecânica. O seu periodo heroico e denonado!"
O BSB conhecera há poucos anos a sua primeira fase de modernização automóvel, "os grandes carros do seculo XX", assim qualificou o repórter do Diário de Lisboa, ao vê-los passar, "verdadeiros tanques, centrais de agua, capazes de inundar um bairro inteiro, velozes apetrechados - dum vermelho de incendio, com as suas escadas altissimas, que escalam o ceu, as suas sirenes, de uivo rouco e sinistro, numa palavra, tudo quanto é preciso para dar combate, e vencer, a alma incoercivel e destruidora do fogo".
A 14 de Junho, num balanço geral de cinco dias de muita animação, o mesmo vespertino da capital colocava em evidência que "o cortejo de viaturas de incêndios de segunda-feira, foi das mais curiosas manifestações das Festas, e interessou todo o público".
Bombeiros em grande destaque
Como nota à margem, refira-se que recebeu também os melhores encómios a participação de 40 ginastas dos Sapadores Bombeiros, na reconstituição da embaixada do século XVIII, cortejo ocorrido no dia 13. Coube-lhes escoltar o "Carro de Estado", mostrando-se "impecaveis de ritmo e de garbo". Não se enganara o cineasta Leitão de Barros, responsável pela concepção do espectáculo, quando, na véspera, abordado pelo Diário de Lisboa, antevera, dizendo: "(...) o grupo cuja figuração foi confiada aos rapazes dos Sapadores Bombeiros deve causar certa sensação. Os fatos são riquisimos mas - o que é o principal - a apresentação desses quarenta ginnastas é notável."
Passados 90 anos sobre a realização do Cortejo Histórico de Viaturas dos Bombeiros, integrado na primeira edição das Festas da Cidade, é curioso verificar que o evento não se apagou da memória colectiva. Ainda hoje existem à venda, em casas de leilões e livrarias alferrabistas, a preços acessíveis, exemplares do respectivo catálogo, impresso nos serviços de tipografia da Câmara Municipal de Lisboa, composto por 16 páginas e com texto preliminar da autoria do olisipógrafo Álvaro Maia.
No ano seguinte, 1935, foi a vez de outro acontecimento de assinalável impacto, que se situou num patamar mais elevado: a II Grande Parada dos Bombeiros Portugueses, organizada pelo Diário de Notícias.
A marcha, por ser linda, continua...